Tudo por causa da napa

QUASE arranjei confusão no supermercado, na fila do caixa. Estava esperando minha vez, observando aquele distanciamento protocolar que já estamos nos esquecendo de observar, quando se aproximou da pequena fila um garotão com a máscara cobrindo só a boca e o queixo, narigão de fora, falando mais que o homem da cobra.

Quando vi, meio que automaticamente – porque ando implicado e tenho repetido essa frase mentalmente com certa frequência – eu disse baixinho, sem me dirigir ao cara, apenas de mim para mim: “Olha a napa, amigão!”.

Pra quê?!

O rapaz escutou e me encarou feio, perguntando se eu estava falando do nariz dele. Fiquei surpreso. Primeiro porque eu tinha falado bem baixinho, comigo mesmo, num tom abafado que era praticamente um sussurro.

Segundo porque não imaginei que ele fosse reconhecer o termo “napa”, uma gíria antiga, que suponho esteja em desuso. Mas o cara, que já devia estar de sobreaviso e com a consciência pesada, conhecia a gíria e resolveu encrespar comigo.

Para amaciar, disse que não estava falando propriamente do nariz dele, mas dos narizes em geral, que andam aí ao léu como se não houvesse mais coronavírus nem ômicron na praça. E, de mais a mais, não havia me dirigido a ele, estava apenas pensando alto.

O rapaz então disse que eu precisava tomar cuidado com os meus pensamentos. Retruquei que de fato meus pensamentos às vezes são um problema, me atrapalham, e concordei que realmente preciso tomar cuidado com eles, mas, naquele momento, o mais urgente era tomar cuidado com o nariz dele.

O garotão não gostou da resposta, claro. E eu continuei retirando as compras do carrinho enquanto ele resmungava ao meu lado. Pedi então que se afastasse porque ele estava quase fungando no meu cangote. Pedi também que o caixa fizesse cumprir as normas da casa no que diz respeito ao uso dos EPIs na pandemia.

(No meio daquele clima, eu só ficava lembrando a mensagem no zap do meu primo dizendo que máscara no queixo é tão eficaz quanto camisinha no saco. Mas desta vez só pensei mesmo, não disse nada ao garotão zangado – a coisa já tava ficando meio braba.)

Paguei a conta e fui saindo, o cara continuou resmungando nem sei o quê. Mas agora com o nariz por dentro da máscara. Porque o caixa interviera pedindo que ele observasse o uso correto do equipamento.

Ando superimplicado com narizes. Nariz de fora, hoje em dia, passou a ser uma coisa obscena, tão obscena quanto andar com o bilau à mostra. Aliás, andar com o bilau de fora ficou menos indecoroso e menos nocivo que exibir o nariz em público. Onde já se viu meter a napa na saúde dos outros?!

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